A caligrafia Árabe
A
caligrafia é a mais sublime das artes islâmicas e a expressão mais típica do
espírito muçulmano. "O teu Senhor – revela o Alcorão - ... ensinou com o
cálamo, ensinou ao homem o que ele não conhecia." Como Deus, por
intermédio do anjo Gabriel, falou em árabe e as Suas palavras foram escritas em
árabe, a língua e a escrita são consideradas tesouro inestimável por todos os
muçulmanos. Só entendendo-as os homens poderiam esperar compreender o
pensamento de Deus. Os muçulmanos não podiam ter uma missão mais importante que
a de conservar e transmitir tesouro tão valioso. E o fizeram com toda a
perfeição de que foram capazes.
Por isso, usaram a caligrafia como expressão religiosa e, no decorrer do tempo,
a escrita tornou-se uma arte muito respeitada. Segundo o sábio muçulmano Yasin
Hamid Safadi, "No Islam, a supremacia da palavra está refletida na
aplicação universal da caligrafia. "
A escrita arábica é um ramo das escritas semitas, onde só as consoantes estão
representadas. Ela é derivada da escrita nabatéia que, por sua vez, vem da
aramaica. Os nabateus eram árabes semi-nômades que viviam numa área que se
estendia desde o Sinai e norte da Arábia, até ao sul da Síria e seus domínios
incluíam as cidades de Hijr, Petra e Busra. Embora o império tenha acabado em 105
d.C, a língua e a escrita tiveram profundo impacto no desenvolvimento do
alfabeto arábico.
A partir de de 650 d.C, foram consignadas, por escrito, as primeiras versões
completas do Alcorão, numa forma denominada jazm, o alfabeto arábico mais
antigo de que se tem referência. Acredita-se que era uma forma mais avançada do
alfabeto nabateu. As letras rígidas, angulares e bem proporcionadas do alfabeto
jazm iriam influenciar mais tarde o famoso alfabeto kufi, a escrita cúfica que
se desenvolveu na cidade de Kufi, no Iraque. A escrita cúfica, de traço
vigoroso e angular, durante séculos foi o meio mais popular de registro do
Alcorão sagrado. Simultaneamente, desenvolveram-se outras escritas cursivas com
fins burocráticos e privados, e, em meados do século X, já estavam fixadas as
seis escritas clássicas da caligrafia islâmica: Thuluth, Naskh, Muhaqqah,
Raihani, Tawqi e Riqa.
Instrumentos usados na caligrafia.
Os instrumentos típicos do ofício de calígrafo incluiam penas de junco e
pincéis, tesouras, uma faca para cortar as penas, um tinteiro e um apontador. A
pena de junco era a preferida pelos calígrafos muçulmanos. Esta pena, chamada
de cálamo, ainda é um instrumento importantíssimo para o verdadeiro calígrafo.
Os juncos mais procurados eram oriundos das terras costeiras do Golfo Pérsico.
Os cálamos eram objetos valiosos e foram comercializados por todo o mundo
islâmico. Um escriba versátil precisava de diferentes cálamos, a fim de
alcançar os diferentes graus de delicadeza. Modelar um junco exigia do escriba
habilidades excepcionais. Além disso, ele tinha que ter um conhecimento
meticuloso de como identificar a melhor vareta que fosse adequada para uma boa
pena, de como aparar as pontas e de como cortar as varetas exatamente no
centro, a fim de que o corte tivesse metades iguais. Uma boa pena, o cálamo,
era cuidadosamente guardada e, algumas vezes, passava de uma geração a outra.
Outras vezes, ela era enterrada com o calígrafo quando ele morria.
As tintas empregadas eram de muitas cores, sendo as mais usadas o preto e o
marrom porque a intensidade e consistência podiam variar bastante. A tinha
feita pelos persas, hindus e turcos conservavam o frescor por mais tempo. A
preparação da tinha levava muitos dias e envolvia complicados processos
químicos. Por causa de seu poder de preservação do conhecimento e da
possibilidade de levá-lo a todos os recantos do mundo, a tinta era comparada
com a água e o calígrafo a uma pena nas mãos de Deus.
A escrita Naskh
Foi uma das primeiras a evoluir. Ganhou popularidade depois de ser redesenhada
pelo famoso calígrafo Ibn Muqlah, no século X. O seu sistema abrangente de
proporção deu à escrita naskh um estilo bem característico. Mais tarde, ela foi
reformulada por Ibn al-Bawaab e outros, que a transformaram numa escrita digna
do Alcorão - muitos exemplares do Alcorão foram escritos em naskh, mais do que
qualquer outro tipo de escrita. Tendo em vista que é relativamente fácil de ler
e de escrever, a escrita naskh teve grande aceitação por parte da população em
geral.
A escrita naskh é normalmente feita com traços pequenos horizontais e as curvas
são cheias e profundas, os traços retos e verticais e as palavras geralmente
bem espaçadas. Atualmente, a naskh é considerada a escrita máxima para quase
todos os muçulmanos e árabes em todo o mundo.
A escrita kufi
A escrita kufi (cúfica) foi a escrita sagrada dominante nos primórdios do
Islam. Ela foi criada nas cidades de Basra e Kufa, no Iraque, na segunda década
da era islâmica (século VIII). Tinha medidas proporcionais específicas,
juntamente com uma angulosidade e linhas quadradas bem pronunciadas. Essa
escrita exerceu um profundo efeito em toda a caligrafia islâmica. Em contraste
com as linhas verticais, a escrita kufi tem linhas horizontais que são
prolongadas. É uma escrita consideravelmente mais larga do que alta. Ela foi
escolhida para ser usada em superfícies oblongas. Com sua construção
geométrica, a escrita kufi podia ser adaptada em qualquer espaço e material,
desde os pequenos quadrados de seda até os monumentos arquitetônicos.
Como a escrita kufi não se sujeitava a regras rígidas, os calígrafos a
empregaram sem qualquer esquema de concepção ou execução para as suas formas
ornamentais. A escrita assumiu diversas formas, ora com um fundo floral, com
desenhos geométricos, ou formas geométricas interligadas, inclusive círculos,
quadrados e triângulos - formando palavras, etc. Essas versões foram aplicadas
a superfícies de objetos arquitetônicos, incluindo superfície de estuque,
madeira,metal, vidro, mármore, têxteis, etc.
A escrita thuluth
Foi a primeira escrita formulada no século VII, durante o califado omíada, mas
só se desenvolveu completamente no final do século IX. Embora muito raramente
tenha sido usada para escrever o Alcorão, a escrita thuluth gozou de enorme
popularidade como uma escrita ornamental e foi muito usada para as inscrições
caligráficas, títulos, cabeçalhos, etc. É ainda a mais importante de todas as
escritas ornamentais.
Ela se caracteriza pelas letras curvas, apresentando pequenos traços, como
farpas, na parte de cima das letras. As letras são ligadas e algumas vezes
entrecortadas, produzindo, assim, uma fluência cursiva de grandes e complexas
proporções. A escrita thuluth é conhecida por seus traços elaborados e por sua
incrível plasticidade.
A escrita riq´ah
A escrita riqa, também chamada de ruq´ah, evoluiu das escritas naskh e thuluth.
Ainda que tenha uma afinidade maior com a escrita thuluth, a escrita riq’ah
tomou uma direção diferente, ficando mais simplificada. As formas geométricas
das letras são semelhantes às da thuluth, porém menores e com mais curvas. Ela
é arredondada e estruturada de uma forma mais densa, com pequenos traços
horizontais.
A escrita riq´ah foi uma das favoritas dos calígrafos otomanos e sofreu muitas
modificações nas mãos do shaikh Hamdullah al-Amasi. Mais tarde, ela foi revista
por outros calígrafos até transformar-se na escrita mais popular e a mais
amplamente usada. Hoje, a escrita riq’ah é a preferida para a caligrafia no
mundo árabe.
As escritas cursivas também foram rapidamente utilizadas para a transcrição do
Alcorão, trazendo novas possibilidades de efeitos decorativos. E surgiram,
assim, as outras quatro escritas importantes: Tumar, Ghubar, Taliq e Nastaliq,
que, embora não fossem populares entre os árabes, foram durante quase quatro
séculos a escrita favorita dos muçulmanos do Irã, Turquia e Índia.
A escrita taliq
Acredita-se que foi uma escrita desenvolvida pelos persas, de uma antiga e
pouco conhecida escrita árabe, chamada firamuz. A escrita taliq, também chamada
de farsi, é uma escrita cursiva modesta, aparentemente em uso desde o início do
século IX. Atualmente, ela goza de aceitação entre os árabes e é o estilo
caligráfico entre os muçulmanos persas, hindus e turcos.
A escrita nastaliq
O calígrafo persa Mir Ali Sultan al-Tabrizi desenvolveu uma variedade mais leve
e elegante de estilo que ficou conhecida como nastaliq. No entanto, os
calígrafos persas e turcos continuaram a usar o taliq como escrita para as
ocasiões especiais. Nastaliq é uma palavra composta que deriva de naskh e de
taliq. A nastaliq foi muito usada nas antologias, épicos, miniaturas e outros
trabalhos literários, mas não para o Alcorão.
Os exemplos de caligrafia como motivo ornamental encontram-se por todo o lado:
nas pedras dos túmulos e nos têxteis, nas ânforas, nas armas, nos azulejos e na
decoração dos edifícios.
FONTE:
"As origens da Caligrafia Arábica" - Khalid Mubireek.
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